Tradutor

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

“A chegada a Búzios, por mais que tentem esconder, revela um paraíso cercado por um cinturão de pobreza”. Chico Otávio da Editoria Nacional, do Jornal O Globo.

ENTREVISTA
Professor de jornalismo da PUC RJ, repórter da Editoria Rio do Jornal O Globo, ganhador de seis Prêmios Esso,- o mais importante do jornalismo brasileiro-, Ayrton Senna de educação e autor da série de reportagens sobre os 50 anos do golpe militar. Chico Otavio é o entrevistado da primeira edição do Redação Final.
Em Búzios noticiou e investigou a intervenção do CNJ que recolheu 17 processos, onde o alvo era o Juiz João Carlos de Souza Correa,

BP- Entre tantos prêmios, algum especial?
CO-Todos, de certa forma, foram especiais. Os primeiros, porque representaram um divisor de águas na minha carreira. As portas se abriram, principalmente das fontes. E os seguintes, por demonstrar uma regularidade. Então, prefiro falar dos que não ganhei. Um deles marcou mais. Foi uma série enorme que escrevi sobre a Amazônia, logo nos meus primeiros tempos em O GLOBO, nos anos 1990. Uma experiência quase épica. Cheguei a finalista do Prêmio Esso com ela, mas bati na trave. Transformei essa frustração em energia, para, nos anos seguintes, conquistar uma boa sequência de prêmios. De qualquer forma, chegar à minha primeira final do Esso com a floresta amazônica, cenário de reportagens inesquecíveis, foi especial.
BP- As mudanças causadas pela internet transformaram a forma de fazer jornalismo. Como os veículos impressos estão sobrevivendo a velocidade  da informação?  
CO-Os veículos impressos vão sobreviver se apostarem em boas histórias, deixando o desafio da velocidade para a internet. Neste mundo de incertezas e grandes transformações, uma certeza eu tenho: os impressos não sobreviverão se insistirem da fórmula do copia-e-cola, publicando no dia seguinte aquilo que já foi exaustivamente noticiado pelos meios digitais em tempo real. É preciso fazer diferente. E outra: os repórteres não dão conta de tudo junto. Não podem escrever rápido e, ao mesmo tempo, escrever primorosamente. Não podem ser Buffalo Bill e Truman Capote ao mesmo tempo. É preciso haver bom senso. Não basta dominar as novas plataformas. Sobreviverá quem conseguir fazer esse movimento sem abandonar a qualidade.  
BP- O dano moral é a arma usada, na maioria das vezes, por autoridades para silenciar a imprensa. Qual a sua opinião, sobre o uso da justiça nessas ações?
CO-Uma das conquistas da democracia, após a longa noite do regime militar, é o acesso do cidadão comum à Justiça. Portanto, é mais do que legítimo buscar no Judiciário a reparação de um direito, mesmo quanto ele é causado pela imprensa. Até porque, como em qualquer profissão, nós cometemos erros. Mas não importam as razões. Injustiças precisam ser reparadas. O problema é que, na maioria dos casos que acompanho, inclusive os meus, porque sou alvo de processos, quem está recorrendo à Justiça são os poderosos, os ricos, aqueles que querem apenas inibir o trabalho da imprensa livre.
BP- O tema "Aula de excelência na pobreza”, publicado por O Globo, lhe rendeu o Prêmio Esso de Educação em 2012. Na matéria você nos conta que em Eirunepé no interior do Amazonas nenhum estudante fica sem ir à escola. O que motiva uma comunidade pobre e desassistida a apostar na educação?
CO- Romper a linha da pobreza. Superar, finalmente, um drama vivido por gerações e mais gerações nos grotões do Brasil. Tive a chance de conhecer de perto a experiência daquela escola, fundamentalmente baseada na solidariedade. Os gestores estimulam os alunos mais fortes a transferir o que sabem para os mais fracos. Tão simples e tão revolucionário.
BP- Uma série de reportagens suas levou o Desembargador Roberto Wider em 2009 a ser afastado do cargo de Corregedor Geral do TJRJ. Mesmo a frente de um grande jornal como O Globo, denunciar membros do poder judiciário é sempre uma tarefa árdua. Como foi pra você?
CO-Do jornal, tive todo o apoio necessário. O problema, nesse projeto, foi superar a barreira do corporativismo. Nosso Judiciário, com belas exceções, é opaco, fechado, desconfiado. Teme cortar na própria pele e perder força e o respeito. Mas maçãs podres existem em qualquer setor, inclusive na mídia. Outro desafio é dominar o "jurisdiquês", usado não apenas para lustrar o processo, mas certamente para torná-lo inacessível para uma considerável fatia da população.  
BP- Em “Sentenças suspeitas em Búzios”, matéria publicada por O Globo, a Comarca de Armação dos Búzios foi alvo de intervenção do CNJ. Dezessete processos recolhidos por juízes de Brasília, levaram a Corregedoria Nacional de Justiça a investigar o Juiz João Carlos de Souza Correa. Há informações que aproximadamente onze processos aguardam por uma decisão do CNJ envolvendo esse juiz. Não deveria ser mais ágil as questões que envolvem suspeição de magistrados, pois uma decisão parcial, pode acabar com o sonho de milhares de pessoas? Em Tucuns por exemplo, dez mil famílias estavam ameaçadas.

CO-Infelizmente, o tempo do Judiciário não é igual ao do Jornalismo. Uma decisão torna-se nula se os direitos ao duplo grau de jurisdição e ampla defesa não forem respeitados. Foi o que aconteceu com o caso de Búzios. Creio, todavia, que a simples divulgação das decisões que envolviam esse juiz já mudou o cenário de Búzios. Não escrevo para derrubar pessoas. Mas espero sempre que as minhas reportagens sejam uma valorosa contribuição para o avanço da sociedade.  

BP-O Coronel Paulo Malhães um dos torturadores da Casa da Morte em Petrópolis revelou a ocê segredos do regime militar. Foram quarenta anos de silencio. Como foi quebrar o silencio do Coronel e o que mais ti assustou nas revelações?
CO-Sabendo ouvir. Aprendi com os colegas mais velhos que ouvir é mais importante do que falar. E foi o que fiz com o coronel. Eu, juntamente com uma colega, Juliana Dal Piva, o convenci a falar porque prometi preservar a sua versão, sem qualquer intenção de adulterá-la ou fazer um juízo de valor sobre os seus atos.

BP- Búzios aos olhos do grande público é tida como glamorosa e rica, mas a grande maioria de sua população vive na mais absoluta pobreza. Costumamos dizer que temos uma prefeitura rica com uma população pobre. Falta saneamento básico, pavimentação, calçamento, ciclovias e transporte. Quando vem aqui enxerga a Búzios pobre?

CO-Enxergo, claro, porque sou um observador incorrigível. A chegada a Búzios, por mais que tentem esconder, revela um paraíso cercado por um cinturão de pobreza. É preciso encontrar meios para garantir de forma mais eficiente a transferência da riqueza produzida pela exploração do turismo para uma faixa mais pobre da população local.

Nenhum comentário:

Postar um comentário