ENTREVISTA
Professor de jornalismo da PUC RJ,
repórter da Editoria Rio do Jornal O Globo, ganhador de seis Prêmios
Esso,- o mais importante do jornalismo brasileiro-, Ayrton Senna de
educação e autor da série de reportagens sobre os 50 anos do golpe
militar. Chico Otavio é o entrevistado da primeira edição do Redação
Final.
Em Búzios noticiou e investigou a intervenção do CNJ
que recolheu 17 processos, onde o alvo era o Juiz João Carlos de Souza
Correa,
BP- Entre tantos prêmios, algum especial?
CO-Todos,
de certa forma, foram especiais. Os primeiros, porque representaram um
divisor de águas na minha carreira. As portas se abriram, principalmente
das fontes. E os seguintes, por demonstrar uma regularidade. Então,
prefiro falar dos que não ganhei. Um deles marcou mais. Foi uma série
enorme que escrevi sobre a Amazônia, logo nos meus primeiros tempos em O
GLOBO, nos anos 1990. Uma experiência quase épica. Cheguei a finalista
do Prêmio Esso com ela, mas bati na trave. Transformei essa frustração
em energia, para, nos anos seguintes, conquistar uma boa sequência de
prêmios. De qualquer forma, chegar à minha primeira final do Esso com a
floresta amazônica, cenário de reportagens inesquecíveis, foi especial.
BP-
As mudanças causadas pela internet transformaram a forma de fazer
jornalismo. Como os veículos impressos estão sobrevivendo a velocidade
da informação?
CO-Os veículos impressos vão sobreviver se
apostarem em boas histórias, deixando o desafio da velocidade para a
internet. Neste mundo de incertezas e grandes transformações, uma
certeza eu tenho: os impressos não sobreviverão se insistirem da fórmula
do copia-e-cola, publicando no dia seguinte aquilo que já foi
exaustivamente noticiado pelos meios digitais em tempo real. É preciso
fazer diferente. E outra: os repórteres não dão conta de tudo junto. Não
podem escrever rápido e, ao mesmo tempo, escrever primorosamente. Não
podem ser Buffalo Bill e Truman Capote ao mesmo tempo. É preciso haver
bom senso. Não basta dominar as novas plataformas. Sobreviverá quem
conseguir fazer esse movimento sem abandonar a qualidade.
BP-
O dano moral é a arma usada, na maioria das vezes, por autoridades para
silenciar a imprensa. Qual a sua opinião, sobre o uso da justiça nessas
ações?
CO-Uma das conquistas da democracia, após a longa
noite do regime militar, é o acesso do cidadão comum à Justiça.
Portanto, é mais do que legítimo buscar no Judiciário a reparação de um
direito, mesmo quanto ele é causado pela imprensa. Até porque, como em
qualquer profissão, nós cometemos erros. Mas não importam as razões.
Injustiças precisam ser reparadas. O problema é que, na maioria dos
casos que acompanho, inclusive os meus, porque sou alvo de processos,
quem está recorrendo à Justiça são os poderosos, os ricos, aqueles que
querem apenas inibir o trabalho da imprensa livre.
BP- O tema
"Aula de excelência na pobreza”, publicado por O Globo, lhe rendeu o
Prêmio Esso de Educação em 2012. Na matéria você nos conta que em
Eirunepé no interior do Amazonas nenhum estudante fica sem ir à escola. O
que motiva uma comunidade pobre e desassistida a apostar na educação?
CO-
Romper a linha da pobreza. Superar, finalmente, um drama vivido por
gerações e mais gerações nos grotões do Brasil. Tive a chance de
conhecer de perto a experiência daquela escola, fundamentalmente baseada
na solidariedade. Os gestores estimulam os alunos mais fortes a
transferir o que sabem para os mais fracos. Tão simples e tão
revolucionário.
BP- Uma série de reportagens suas levou o
Desembargador Roberto Wider em 2009 a ser afastado do cargo de
Corregedor Geral do TJRJ. Mesmo a frente de um grande jornal como O
Globo, denunciar membros do poder judiciário é sempre uma tarefa árdua.
Como foi pra você?
CO-Do jornal, tive todo o apoio necessário.
O problema, nesse projeto, foi superar a barreira do corporativismo.
Nosso Judiciário, com belas exceções, é opaco, fechado, desconfiado.
Teme cortar na própria pele e perder força e o respeito. Mas maçãs
podres existem em qualquer setor, inclusive na mídia. Outro desafio é
dominar o "jurisdiquês", usado não apenas para lustrar o processo, mas
certamente para torná-lo inacessível para uma considerável fatia da
população.
BP- Em “Sentenças suspeitas em Búzios”, matéria
publicada por O Globo, a Comarca de Armação dos Búzios foi alvo de
intervenção do CNJ. Dezessete processos recolhidos por juízes de
Brasília, levaram a Corregedoria Nacional de Justiça a investigar o Juiz
João Carlos de Souza Correa. Há informações que aproximadamente
onze processos aguardam por uma decisão do CNJ envolvendo esse juiz. Não
deveria ser mais ágil as questões que envolvem suspeição de
magistrados, pois uma decisão parcial, pode acabar com o sonho de
milhares de pessoas? Em Tucuns por exemplo, dez mil famílias estavam
ameaçadas.
CO-Infelizmente, o tempo do
Judiciário não é igual ao do Jornalismo. Uma decisão torna-se nula se os
direitos ao duplo grau de jurisdição e ampla defesa não forem
respeitados. Foi o que aconteceu com o caso de Búzios. Creio, todavia,
que a simples divulgação das decisões que envolviam esse juiz já mudou o
cenário de Búzios. Não escrevo para derrubar pessoas. Mas espero sempre
que as minhas reportagens sejam uma valorosa contribuição para o avanço
da sociedade.
BP-O Coronel Paulo Malhães um
dos torturadores da Casa da Morte em Petrópolis revelou a ocê segredos
do regime militar. Foram quarenta anos de silencio. Como foi quebrar o
silencio do Coronel e o que mais ti assustou nas revelações?
CO-Sabendo
ouvir. Aprendi com os colegas mais velhos que ouvir é mais importante
do que falar. E foi o que fiz com o coronel. Eu, juntamente com uma
colega, Juliana Dal Piva, o convenci a falar porque prometi preservar a
sua versão, sem qualquer intenção de adulterá-la ou fazer um juízo de
valor sobre os seus atos.
BP- Búzios aos olhos
do grande público é tida como glamorosa e rica, mas a grande maioria de
sua população vive na mais absoluta pobreza. Costumamos dizer que temos
uma prefeitura rica com uma população pobre. Falta saneamento básico,
pavimentação, calçamento, ciclovias e transporte. Quando vem aqui
enxerga a Búzios pobre?
CO-Enxergo, claro,
porque sou um observador incorrigível. A chegada a Búzios, por mais que
tentem esconder, revela um paraíso cercado por um cinturão de pobreza. É
preciso encontrar meios para garantir de forma mais eficiente a
transferência da riqueza produzida pela exploração do turismo para uma
faixa mais pobre da população local.
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